30/11/2009

Madeira está sem intérpretes de língua gestual portuguesa



Jornal da Madeira – No próximo dia 3 de Dezembro assinala-se o Dia Internacional do Cidadão Portador de Deficiência. Na Região, quantas pessoas estão “identificadas” pela Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação com deficiência?

Maria José Camacho – Na nossa base de dados, aqueles que nós atendemos situam-se na ordem dos 4.500. Falamos de crianças, jovens e adultos com necessidades especiais. No entanto, sabemos que existem outros casos atendidos por duas instituições de carácter privado, nomeadamente, a Associação de Paralisia Cerebral e as Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração que têm o Centro Psicopedagógico de Reabilitação da Sagrada Família. Não fazem parte destes 4.500, embora nós prestemos colaboração em determinadas áreas a essas duas instituições. Sabemos também que existem adultos com necessidades especiais que estão nos seus domicílios, em zonas onde nós ainda não abrimos serviços para adultos como é o caso de Santana e do Porto Santo, onde estamos a ultimar tudo para abrir um pequeno centro de actividades ocupacionais. Noutras zonas, onde nós temos estes serviços, por vezes, as famílias querem que os seus filhos permaneçam em casa quando têm um pai, uma mãe ou ou outros familiares que os acompanham. Temos tido, não muitas, algumas recusas em frequentar os nossos serviços, já que as pessoas estão incluídas nas suas famílias. Nestes 4.500 temos as diferentes vertentes de intervenção, incluindo a precoce onde trabalhamos com bebés da mais tenra idade, desde que nessa altura já esteja diagnosticada uma necessidade educativa especial. Esta intervenção precoce, numa fase inicial, passa por ajudar aquela família a fazer o luto do filho sonhado, ou seja, o filho perfeito e sem problemas que não chegou e, em vez dele, chegou outro. Então os especialistas apontam a necessidade das equipas de especialistas acompanharem as famílias nestes momentos, tentarem que elas façam o luto e se voltem para aquele que chegou que, acima de tudo um ser humano que precisa deles e de uma intervenção técnica.

JM – Esse luto não é fácil de aceitar por parte das famílias...
MJC – Nunca é fácil. Nós tendemos, enquanto seres humanos, para a perfeição e não é fácil aceitar a deficiência ou a diferença. A nossa luta e o nosso trabalho é no sentido de aceitar a pessoa que existe por detrás da deficiência ou por detrás da diferença. Mas, não é fácil. Há famílias que conseguem num período mais curto e outras que nunca conseguem totalmente.

A família não discrimina

JM – A própria discriminação destas pessoas com deficiência ainda reside dentro das famílias?
MJC – Não! A família não discrimina, ela acolhe. O que acontece é que, em muitos momentos, ela sente-se impotente para funcionar e pensa que não consegue ou que não sabe e que são os técnicos que vão fazer e que vão dizer. E a nossa missão na intervenção precoce é a de devolver esse papel à família, dizer que ela é capaz. Qualquer família quer o melhor para o seu filho e, muitas vezes, quando fala da discriminação refere-se às barreiras de atitude que a sociedade coloca. Então, a família sente-se refém e vítima dessa discriminação da sociedade porque começa a pensar: “não vou levar o meu filho ao restaurante porque ele vai deitar tudo ao chão e os outros vão olhar para ele com ar depreciativo, vão fazê-lo sentir mal”. Mas, penso que já se ultrapassou muito isto. Depois, também sabemos que a família, nas primeiras idades, faz um percurso, por vezes, doloroso e moroso em termos da procura da resposta, da solução ou de um diagnóstico que a situe perante a situação de haver conhecimento sobre aquela problemática e de haver experiência que permite dizer que, com determinada intervenção, a criança vai evoluir e atingir determinados patamares. É nesse sentido que falo na importância de um diagnóstico sério e responsável que permita à família conseguir ultrapassar este luto e funcionar com esta criança.

JM – Com que equipa conta a DREER em termos de recursos humanos?
MJC – Temos em maior número os docentes especializados, que são 232 e que têm como formação de base educação de infância, primeiro, segundo e terceiro ciclo e secundário. Temos também vários técnicos profissionais (ajudantes) em número de 156. A estes, juntam-se 26 terapeutas, entre os quais da fala, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Há ainda 67 técnicos superiores, entre psicólogos, psico-motricidade e ciências da educação, e ainda formadores de língua gestual portuguesa para o caso das crianças com surdez.

JM – Pelos vossos serviços passam as mais variadas situações de deficiência...
MJC – Temos todas. Existem situações de um grau de profundidade superior, mas a dificuldade é inerente a todos os casos. Muitas vezes, por exemplo, há ausência de uma comunicação explícita, em que nós temos que descobrir que sentimentos e capacidades é que a criança pode vir a ter. Cada caso é um caso. Nós podemos falar de crianças autistas e sentir que o autismo é uma realidade muito complicada e difícil para trabalhar, pois nenhum autista é igual ao outro. Depois temos multi-deficiências, com casos de crianças e jovens que a par de um défice intelectual têm problemas de alterações comportamentais e de ordem até psiquiátrica. Daí que, nas nossas equipas, não temos nem enfermeiros nem médicos, mas temos uma estreita ligação com os serviços de saúde da comunidade na tentativa de trabalhar colaborativamente nesta outra vertente do foro médico em paralelo com a intervenção psicológica, pedagógica e terapêutica.

Famílias estão a pedir mais horas de intervenção

JM – Ainda há casos em que tem de ser a Direcção a actuar, perante a vergonha das famílias em pedir ajuda por não quererem assumir que têm a seu cargo pessoas com deficiência?
MJC – Temos cada vez menos. Temos é o contrário e vemos as famílias a quererem mais horas de intervenção. No passado encontrávamos alunos com síndrome de Dawn que, chegados aos seis anos, não iam para a escola porque as famílias viam que eles tinham um problema que não lhes permitia continuar e iam ficando em casa. Muitas vezes, encontrávamos crianças aos 9 e 10 anos que nunca tinham frequentado um estabelecimento de educação. Neste momento, já não acontece, também por via deste estreitar de laços profissionais com a saúde. Aquando do nascimento de uma criança, os próprios serviços nos contactam, dizendo, por exemplo, se essa criança é oriunda de uma família de risco onde já existam outras crianças com deficiência declarada. Também trabalhamos em estreita colaboração com o Centro de Desenvolvimento do Funchal, que nos encaminha os casos que estão em estabelecimentos onde nós intervimos. Penso, por isso, que a procura superou perfeitamente a “fuga” de crianças, mesmo na primeira infância, quando eles ficam com a família.

JM – Ainda assim, é frequente detectar casos em estabelecimentos de ensino?
MJC – Poderemos encontrar, por exemplo, em termos de um primeiro ciclo, casos de dificuldade de aprendizagem ditas ligeiras que não foram diagnosticadas porque a criança não demonstrou uma diferença muito grande face ao seu grupo etário. Ou porque não esteve na pré. Mas, por vezes, as crianças têm diferentes ritmos de desenvolvimento e quando há um pequeno atraso que depois é indiciador de uma dificuldade de aprendizagem, poderá não ter sido detectada e nós encontramos, normalmente, no primeiro ciclo, crianças que não foram alvo de intervenção anterior. É o caso das dislexias, das disgrafias e das discalcolias em que o problema da criança se manifesta face à aprendizagem que lhe está a ser apresentada. E podemos encontrar também um grupo mais pequeno de tumores cerebrais por via de problemas com diabetes, traumatismos cranianos ou acidentes de qualquer espécie, em que adquirem uma necessidade especial.

Centro do Porto Santo abre já em Janeiro

JM – Em relação aos centros ocupacionais, Porto Santo e Santana são os únicos concelhos onde há falta destes espaços?
MJC – Em Santana, estamos em negociações com o presidente da Câmara na tentativa de encontrar um espaço. Aqui, muitos dos jovens vêm para o Funchal ou para Machico onde temos um centro ocupacional. Quanto ao Porto Santo, já temos esse espaço. De momento, estamos em fase de instalação. Fizemos um levantamento, em colaboração com a Segurança Social, sendo que detectamos um grupo pequenino com necessidades especiais, de sete jovens e adultos. Pensamos que, ainda durante o mês de Dezembro, eles já vão poder visitar o espaço para se adaptarem e em Janeiro abriremos em definitivo.

JM – Que programas têm sido desenvolvidos pela DREER?
MJC – Os centros de actividades ocupacionais respondem a uma franja da população com necessidades especiais que não consegue fazer um curso de formação profissional. Ou seja, não são suficientemente autónomos ou os seus conhecimentos de base não lhes permite fazer um curso de formação profissional. Nesse âmbito, estes centros treinam o bem estar, a qualidade de vida, a autonomia e muita da intervenção deles para que estimulem ou mantenham muitas das suas capacidades. Para além disso, existe a formação profissional para os outros jovens que, apesar das suas necessidades especiais que não lhes permitem percursos académicos muito avançados, conseguem aprender uma profissão e serem incluídos nas empresas. Temos em todos os concelhos essa vertente de intervenção, com o apoio e o acompanhamento a estes jovens já inseridos na empresa.

JM – Qual o nível de colocação desses jovens?
MJC – Nós temos tido uma média relativamente boa de colocação. Penso que no ano passado andamos na ordem dos 60 por cento. Sinal do êxito deste programa é que os empresários que receberam esses jovens estão sempre receptivos a receber mais.

Há falta de intérpretes de língua gestual

JM – Na Região, é fácil recrutar meios humanos para trabalhar nesta área ou ainda é necessário recorrer a pessoal do continente?
MJC – Nós, este ano, pela primeira vez, tivémos dificuldade em recrutar docentes especializados por via de um aumento de vagas verificado a nível nacional. Como muitos dos nossos docentes são oriundos do continente e apesar de referirem que o nosso modelo de intervenção lhes dá maior suporte e garantias em termos profissionais, optaram pelo continente por questões pessoais e familiares. A outros níveis, a dificuldade vai-se prendendo, também, com os tempos em que nós vivemos, em que o recrutamento de novos elementos não tem sido tanto quanto foi no passado.

JM – Há poucos técnicos a formarem-se nas áreas necessárias?
MJC – Nalgumas áreas sentimos que existem dificuldades. Sobretudo, em termos de terapeutas da fala, formadores de língua gestual portuguesa e intérpretes de língua gestual. São as áreas mais carenciadas em termos de recursos humanos, atendendo a que a nível nacional a oferta tem sido superior à procura. Não havendo desemprego, nem havendo aqui pessoas formadas na língua gestual portuguesa como intérpretes, infelizmente, na Madeira, não temos. Estamos a fazer esforços a ver se conseguimos cativar alguém, mas não temos nenhum intérprete de língua gestual e faz falta na medida em que começamos, desde há alguns anos a esta parte, a iniciar as crianças surdas na mesma e, dentro em breve, fará falta um intérprete quando estes alunos transitarem para o secundário e tiverem que ter dentro da sua sala um intérprete.

Há cerca de uma dúzia de famílias que acolhem crianças com necessidades especiais. Algumas vêm à procura, outras foram procuradas pela Educação Especial em determinado meio, quando se constatou que a família de origem estava distanciada geograficamente, já que algumas crianças do campo, para frequentarem os serviços no Funchal, têm de cá permanecer. Neste momento, algumas famílias que já tiveram crianças ao seu cuidado se oferecem para continuar.

Número de alunos por idades

Idades Número de atendimentos

0-6 437
7-12 1.949
13-18 1.424
19-24 193
25-30 107
31-36 62
37-42 25
43-48 18
Maior ou igual a 49 15

Total 4.230*

Dados referentes a Janeiro de 2009

Neste momento, a DREER tem entre mãos à volta de 25 crianças/adolescentes/jovens com indicadores de altas habilidades, ou seja, os chamados sobredotados. Sobre estes, recai uma intervenção directa, conforme salienta Maria José Camacho que sublinha também o trabalho da Direcção junto das escolas, na tentativa de alertar e formar os docentes para o despiste destes alunos. Para mais, existe um projecto de investigação/protocolo em marcha com a Universidade do Minho que cede à DREER um consultor científico, especialista nesta área, e que «ajuda também neste olhar para uma problemática que por vezes tem de ser olhada e atendida de forma correcta para que eles não se percam».